Apropriação de valores destinados a realização de contratos de seguros. Responsabilidade solidária da empresa de seguros?

Checozzi
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Os corretores são profissionais autônomos, intermediários legalmente autorizados a angariar e promover seguros, sendo-lhes vedado ter qualquer participação societária nas empresas seguradoras ou ainda manter relação de subordinação laboral ou de direção com as referidas empresas, nos termos da legislação que rege essa atividade (Lei n° 4.495/64, art. 17).

O Código Civil atual e que é posterior à lei do corretor de seguros, acima citada, confirma que não há qualquer ligação entre a empresa seguradora e o corretor de seguros, dispondo em seus artigos 722 e 729, que:

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a aplicação de outras normas da legislação especial.

Todavia, e em outra vertente, defende-se o entendimento de que o corretor de seguro presta serviço à empresa seguradora ao intermediar o contrato, na medida em que observa suas orientações para preenchimento de propostas/formulários e para simulações e cálculo de prêmios e, ainda e não raro, participa de treinamentos que esta promove para incremento de vendas.

Diz-se aqui que a praxe afasta o entendimento de que o corretor atua por conta e ordem do segurado, que pensa estar realizando o negócio com representante da empresa seguradora e que desconhece estar pagando a comissão de corretagem que lhe é cobrada juntamente com o prêmio do seguro.

Em tese seria a incongruência do que está conceitualmente definido em lei – no sentido do dever ser âEUR” com o que estaria se verificando de fato em sociedade.

E tem sido em razão dessa aparente realidade que as empresas seguradoras têm sido chamadas à responsabilidade solidária em decorrência de atos praticados pelo corretor de seguros, inclusive em situações em que este, indevidamente, apropria-se de valores de proponentes de seguros e simula a formalização de contratos, que não chegam sequer a ser realizados ou, quando sim, de modo imperfeito.

Penso que há um desvirtuamento do que está posto na lei e que se convola mesmo em negativa da sua existência.

Admitir-se que determinadas vicissitudes, presentes no exercício da intermediação do contrato de seguro, tornam sem efeito o conteúdo normativo da lei é um exagero que sugere negar a inexistência da própria figura jurídica do corretor de seguros.

A lei 4.495/64 regula a intermediação do contrato de seguros, concebe o corretor de seguros e define seus direitos e deveres, impondo-lhe, inclusive, responsabilidade administrativa, civil e penal.

Some-se que a referida lei impede que o corretor de seguro seja sócio, administrador, procurador, despachante ou empregado de empresa de seguros (art. 17, letra âEURoebâEUR) e que mantenha relação de empresa ou de direção com empresa de seguros (art. 125).

� inquestionável a convicção, em face da legislação em vigor, de que o corretor de seguros é um comerciante com o objetivo social de intermediar contrato de seguro e que, por isto, recebe do segurado comissão proporcional ao preço do produto.

Extraí-se, pois, que é dever jurídico a obrigação moral do corretor de servir apenas ao segurado, em respeito à relação de fidúcia, que entre eles se estabelece.

Ora, a apropriação pelo corretor de seguros de valores que lhes são entregues pelo seu cliente e que deveriam ser destinados à celebração de contrato de seguro com determinada empresa de seguros implica no reconhecimento de responsabilidade civil também desta empresa, seja pela não realização do contrato de seguro ou pela realização imperfeita desse contrato?

Na pratica o que se constata, e infelizmente de forma recorrente, é que o corretor de seguros se apropria de valores do seu cliente para realização de contrato de seguro à vista, que não chega a ser realizado ou, quando sim, à prazo. Neste caso, o corretor simula o negócio com a empresa de seguros, paga a primeira parcela e deixa de pagar as posteriores, o que acarreta o cancelamento desse simulado negócio.

Algumas decisões judiciais, teratológicas, a meu ver, têm albergado a responsabilidade solidária da seguradora em situações fáticas acima descritas, fundando-se na teoria da aparência e no Código de Defesa do Consumidor, neste caso, sustentando o entendimento de que a seguradora estaria inserida na cadeia do pretenso negócio, ou seja, seria uma das partes na pretendida relação contratual.

Com a devida vênia, não há relação de representação entre seguradora e seus corretores e a responsabilidade solidária não se presume, pois decorre de disposição legal ou da vontade expressa das partes.

A cogitada responsabilidade civil está adstrita ao pagamento do prêmio do seguro que, nas situações fáticas acima descritas não se efetivou ou se efetivou de modo imperfeito, ocasionando o desfazimento do negócio, diga-se, por ato delituoso administrativo, civil e criminal praticado única e exclusivamente pelo corretor de seguros.

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Luiz Carlos Checozzi
Abril/2009

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