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O cancelamento unilateral do contrato de seguro de vida com prazo de vigência indeterminado

O cancelamento unilateral do contrato de seguro de vida com prazo de vigência indeterminado

A questão de fundo que se coloca é sobre a possibilidade de cancelamento ou mesmo de alteração substancial em detrimento das condições existentes, de contrato de seguro de vida com período de vigência anual, mas renovado automaticamente durante muitos anos?

São comuns consultas nesse sentido, posto que comum também a existência de muitos segurados que possuem contratos de seguro de vida antigos e que sempre foram renovados automaticamente, apenas atualizando-se monetariamente os valores de prêmios e de capitais segurados.

Há o receio de segurados que mantém contrato de seguros sob tais condições de que a outra parte contratante (seguradora) queira rescindir ou alterar substancialmente a avença, receio esse que procede já que iniciativas nesse sentido têm sido tomadas sob o argumento de que o contrato não é vitalício e prevê resilição unilateral.

Tais iniciativas de parte das seguradoras, em rescindir ou alterar unilateralmente contrato de seguro de vida antigo, verificam-se desde o advento da implantação do plano real. Até então, a inflação monetária garantia-lhes um ganho financeiro estratosférico com a simples aplicação dos prêmios pagos pelos segurados, de sorte que não se descortinava eventuais prejuízos ou diminutos ganhos resultantes diretamente da operação negocial. (lato sensu, relação entre prêmios auferidos e indenizações pagas).

Esses contratos, que a partir do plano real tornaram-se indesejados, sempre vigoraram sem qualquer solução de continuidade e sempre mediante as mesmas condições ab initio pactuadas. Também os pagamentos mensais dos prêmios sempre foram efetuados pontualmente pelos segurados.

Daí dizer-se com inquestionável razoabilidade que a pretensão de cancelamento ou mesmo de modificação unilateral por parte da seguradora implica abominável ofensa ao princípio da boa-fé previsto no Código de Defesa do Consumidor, eis que, contratos de muitos anos em vigor sempre restaram cumpridos pelos segurados no tocante às suas obrigações principais, dentre elas, a de pagar pontualmente os prêmios mensais.

Atrelado ao cumprimento das suas obrigações se fez presente ao longo da duraçao continuada e ininterrupta desses contratos, a crença dos segurados de estarem e sempre continuarem acobertados pelos riscos contratados, máxime diante da boa-fé objetiva que impõe aos contratantes o dever de agir de acordo com determinados padrões. Ou seja, os segurados confiaram e confiam na estabilidade e na segurança do negócio jurídico que celebraram, incluso suas expectativas de que a outra parte (a seguradora) proceda com correção e lealdade.

A mera intenção da seguradora de rescindir o contrato unilateralmente ou mesmo de impor ao segurado um novo negócio, com modificações essenciais ao contrato em vigor, já é ofensiva ao princípio da boa-fé amparado pelo Código de Defesa do Consumidor, eis que acena para o desequilíbrio contratual em desproveito da parte mais fraca na relação (hipossuficiente).

O contrato de seguro, notadamente o em apreço, com suas condições e coberturas, é governado pelo princípio do pacta sunt servanda, devendo haver acordo prévio e expresso para a sua alteração, sabido que a liberdade de contratar tem de cumprir a sua função social, tão ou mais importante do que o seu aspecto econômico.

Por conseguinte, não pode uma pessoa, presumivelmente já de idade avançada, ser privada da manuntenção do vínculo contratual de seguro de vida, há anos mantido, sob a alegação de que não convém financeiramente à seguradora manter o contrato, o que lhe acarretaria frustração da sua expectativa de segurar a própria vida, prejuízo irreparável, pois que provavelmente não poderá contratar novo seguro de vida seja em razão da própria idade avançada ou por não mais dispor de saúde integral.

A pedra basilar da Carta da República é a dignidade da pessoa humana, e, in casu, o direito (interesse legalmente tutelado) buscado pelo segurado (o prosseguir com a contratualidade), encontrará sempre a efetivação e proteção por parte do julgador, haja visto o respaldo legal existente.

Com efeito, estabelece o Código Civil:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações e ele concernentes.

Deve ser complementado ao princípio da boa-fé, o insculpido no artido 421 do mesmo Código Civil, que reza:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Consoante lição do professor Silvio Venosa:

A boa-fé é principio basilar dos contratos em geral, expressa na letra do Código de Defesa do Consumidor. O mais recente Código, aliás, ressalta a boa-fé objetiva na teoria geral dos contratos como cláusula aberta (art. 422). Contudo, a boa-fé na contratação do seguro, tendo em vista a asseguração do risco, é acentuada e qualificada pelo art. 1.444 (do Código de 1.916), que obrigava o segurado a fazer declarações verdadeiras e completas, sob pena de perder o direito do seguro. (…..) O art. 765 do atual Código enfatiza que a estrita boa-fé e a veracidade serão guardadas tanto na conclusão como na execução do contrato. A enfática e tradicional referência à boa-fé nos contratos de seguro significa que ela é qualificada: mais do que em outra modalidade de contrato, cumpre que no seguro exista límpida boa-fé objetiva e subjetiva, aspecto que deve ser levado em conta primordialmente pelo intérprete.

Ainda que contratado o seguro com as cláusulas já pré-estabelecidas nas “condições gerais”, referidas normas têm seu alcance relativizado, e, até mesmo o Decreto-Lei 61.587/67, que trata especificamente do assunto em seu art. 2º, foi revogado com o advento do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, o princípio da boa-fé, ditado pelo Código de Defesa do Consumidor e insculpido no seu art. 4º, inciso III, é o que vem delimitar o viés dos direitos ora tutelados. Referido princípio, corolário daquele de cunho constitucional (dignidade da pessoa humana), está assim previsto:

Art. 4º. A Política das Relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(…)

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Comenta Nelson Nery Júnior não é demais lembrar que as relações de consumo são informadas pelo princípio da boa-fé (art. 4º, caput e inc. III, CDC), de sorte que toda cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex  lege, como abusiva. Dissemos ex vi legis, porque o art. 51, nº XV, do CDC diz serem abusivas as cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”, sistema no qual se insere o princípio da boa-fé por expressa disposição do já mencionado art. 4º, caput e inc. III, do CDC. Há no sistema contratual do CDC, por conseguinte, a obrigatoriedade da adoção pelas partes de uma cláusula geral de boa-fé, que se reputa existente em todo e qualquer contrato que verse sobre relação de consumo, mesmo que não inserida expressamente nos instrumentos contratuais respectivos. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, 7ª Ed. Forense Universitaria, p. 464)

Extraí-se, pois, a lição de que, de maneira geral, nos contratos que envolvam relação de consumo, o princípio da boa-fé deve ser o norteador da relação negocial e carro-chefe dos princípios aplicáveis aos contratos de consumo.

Ademais, outras regras do próprio CDC também conferem proteção efetiva ao consumidor. Com efeito: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47); “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas do fornecimento de produtos e serviços que:…….estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equídade; ….autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. (art. 47 e art. 51, incisos IV e XI).

Portanto, a seguradora não detém, de forma absoluta, poderes para, ao livre alvedrio, simplesmente rescindir, ou melhor, não renovar contrato de seguro, somente porque ele não lhe é mais lucrativo.

A propósito, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná:

“PEDIDO DE MANUTENÇÃO DE CONTRATOS DE SEGUROS DE VIDA – SEGURADORA QUE PRETENDE ALTERAR CONTRATOS ELEVANDO O VALOR DO PRÊMIO SEM NECESSÁRIA CONTRAPRESTAÇÃO EQUIVALENTE – IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE EXTERIORIZAÇÃO INEQUÍVOCA DE VONTADE DE CELEBRAR A AVENÇA A CADA ANO, DESDE 1994. TÍPICA HIPÓTESE DE PRORROGAÇÃO DO PACTO, QUE POR ISSO DEVE SER MANTIDO NAS CONDIÇÕES ORIGINARIAMENTE CONTRATADAS – PRECEDENTES. CIRCULARES 302/05 E 316/06 DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP, QUE DISCIPLINAM AS NORMAS DE SEGURO DE PESSOAS – INEFICÁCIA JURÍDICA EM RELAÇÃO AO SEGURADO, POR SEREM ATOS ADMINISTRATIVOS ORDINATÓRIOS ENDEREÇADOS TÃO-SÓ AOS AGENTES ADMINISTRATIVOS, NÃO PODENDO VINCULAR O PARTICULAR OU LESAR DIREITOS GARANTIDOS POR LEI.SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.” (Apelação Cível nº 496.826-3 – Rel. Des. Luís Espíndola)

E o Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – OMISSÃO – NÃO-OCORRÊNCIA – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONTRATO DE SEGURO DE VIDA – RESILIÇÃO UNILATERAL – IMPOSIÇÃO PARA READAPTAÇÃO A NOVAS PROPOSTAS – ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA – OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE – PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ – RECURSO IMPROVIDO. I – Não se verifica a alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, porquanto a questão relativa à licitude da cláusula contratual que contempla a não renovação do contrato de seguro de vida foi apreciada de forma clara e coerente, naquilo que pareceu relevante à Turma Julgadora a quo; II – A pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior sob as mesmas bases, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo; III – Recurso especial improvido.” (Resp nº 1.105.483-MG – Rel. Ministro Massami Uyeda)

Em suma e sub censura dos Doutos, impõe-se a conclusão de que contrato de seguro com as características e elementos aqui explicitados deve vigorar por prazo indeterminado, mantidas as suas condições e sob a condicionante do adimplemento da obrigação principal do segurado que é a de pagar pontualmente o respectivo prêmio.

Luiz Carlos Checozzi

Outubro/2012

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